Hoje foi um dia daqueles que trazem uma energia. Talvez pela renovação
trazida por um bom banho de mar, talvez pelos minutos de sabedoria
compartilhados com os amigos, talvez o abraço daquela amiga especial,
talvez pelos momentos de descanso, talvez por ter sido um feriado...
enfim...
Talvez por acaso, ou não tão por acaso assim... comecei o meu dia
lendo o poema do uruguaio Mário Benedetti - "Alegría de la tristeza".
Simplesmente de uma leveza extraordinária. Sinto-me presenteada com
tão belas palavras.
Engraçado como de alguma maneira, que não sei explicar bem, esse poema
me cativou. Isso mesmo. Me peguei por vários momentos pensando
naquelas palavras. "Uno puede entristecerse por muchas razones y
sinrazones...". Creio nisso. Muitas vezes ficamos tristes porque
acreditamos estar cheios de razões, que nossa verdade é a única
verdade, nos perguntamos porque aquilo está acontecendo mas, também,
nos percebemos tristes sem nenhum motivo aparente. E qual seria a
origem dessa tristeza? Seria culpa nossa? Uma palavra ríspida ou um
gesto indelicado? Seria nossa falta de compreensão? Cheguei a
conclusão que não importa o motivo. Nós devemos estar prontos. Aí você
vem e me pergunta: "- Como assim prontos?". E eu vou responder, com um
sorriso nos lábios: "-Devemos estar prontos para receber a tristeza.
Porque há uma alegria indizível na tristeza que acontece, justamente,
por que nós ainda conseguimos senti-la". Incrível, né? Mas, pare e
pense comigo, sei que é meio confuso o que estou dizendo, mas tente
acompanhar... Se pararmos para olhar a nossa volta é fácil notar que
vivemos num mundo de tanta coisa banalizada. Hoje se mata por qualquer
besteira, vemos estampadas verdadeiras atrocidades nas folhas dos
jornais cotidianamente. As pessoas reclamam que não tem trabalho; quem
possui, não mede as ações para manter-se no seu emprego; os que não
tem um amor buscam 'consolo' em prazeres efêmeros, já os que possuem
um amor não conseguem se entregar de verdade, esquecem de viver o hoje
e ficam 'vivendo' do futuro, do 'como será o amanhã'. Caramba, estamos
sendo escravizados pelo relógio, pela tecnologia... Que tempo
reservamos para ler um bom livro? Que tempo reservamos para ter um
momento com Deus? Vivemos numa velocidade que parece que o mundo vai
acabar amanhã. Temos tanta coisa pra fazer que quase não sobra tempo
para sentir.
Então, por mais contraditório que pareça... seja qual for o
sentimento,ele é bienvenido. Seja ele de euforia, entusiasmo e até
melancolia.
Ando descobrindo (talvez da pior maneira. Ou não) que sentir é um
verbo que se conjuga interiormente, diferente do fazer que é conjugado
para fora. É preciso encontrar o equilíbrio. O sentir nos faz
amadurecer, nos faz querer acreditar que tudo pode dar certo de novo,
nos faz aquietar a mente, nos alimenta a alma. O sentir é silencioso.
O fazer é barulhento.
A tristeza é evitada e até parece que temos a obrigação de estarmos
felizes sempre, em todos os momentos. Quem disse que temos sempre que
responder que 'está tudo bem', quando não é isso que nós sentimos? Que
convenção social é essa que nos impede de sermos verdadeiros? A
tristeza é vista como algo negativo e perjorativo. Ok! Até concordo
que ninguém gosta de estar perto de uma pessoa que fica se lamentando
o tempo todo, reclamando de tudo. Mas ela é um meio para um momento de
reflexão, um recuo, uma excelente oportunidade de silenciar tudo em
nós e conversar seriamente com nossos 'botões'e, principalmente, com
Deus.
É sempre Ele que nos dá luz, lições, um sinal de fumaça... E é na
presença DEle que a tristeza se faz desnecessária, abrindo lugar pra
um sentimento de renovação, de alegria e entusiasmo.
Feliz de quem possui sentimentos. O triste é não sentir. #ficaadica.
Segue o poema, Alegría de la tristeza :
En las viejas telarañas de la tristeza
suelen caer las moscas de sartre
pero nunca las avispas de aristófanes
uno puede entristecerse
por muchas razones y sinrazones
y la mayoría de las veces sin motivo aparente
sólo porque el corazón se achica un poco
no por cobardía sino por piedad
la tristeza puede hacerse presente
con palabras claves o silencios porfiados
de todas maneras va a llegar
y hay que aprontarse a recibirla
la tristeza sobreviene a veces
ante el hambre millonaria del mundo
o frente al pozo de alma de los desalmados
el dolor por el dolor ajeno
es una constancia de estar vivo
después de todo / pese a todo
hay una alegría extraña / desbloqueada
en saber que aún podemos estar tristes
Mário Benedetti